Por Karina Pinheiro
A participação do Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, na COP30 consolidou o papel da Instituição como uma das principais referências em mecanismos de financiamento direto para povos e comunidades indígenas na Amazônia Brasileira. Em um ano marcado por debates sobre a eficiência dos recursos climáticos e a urgência de fortalecer a governança territorial na Amazônia, o Podáali levou para Belém a defesa de que soluções climáticas são efetivas quando desenhadas e lideradas pelos próprios povos indígenas.
Ao longo da conferência, o Podáali esteve presente em diversos espaços de diálogos e negociação, com a participação em agendas com entidades governamentais, filantrópicas e organizações indígenas de diversos países, contribuindo com a discussão sobre o acesso direto a recursos e na valorização dos fundos comunitários territoriais. A atuação incluiu participação em painéis, mesas de discussão e diálogos técnicos que evidenciaram a necessidade de romper com modelos centralizados de financiamento, frequentemente ineficazes para chegar até as bases comunitárias.
Durante a Cúpula do Clima, o governo federal também anunciou o avanço em novos processos de demarcação de dez terras indígenas, um compromisso considerado central para o fortalecimento da governança territorial na Amazônia. Para o Podáali, esse passo representa uma condição estruturante para que o financiamento direto se consolide com segurança e efetividade. O Fundo avalia que cada avanço na demarcação reforça a base institucional necessária para que recursos climáticos cheguem diretamente às comunidades e gerem impactos duradouros na proteção da floresta e na defesa da vida.
A diretora-executiva do Podáali, Valéria Paye, destacou que a presença na COP30 representa a continuidade de uma trajetória de incidência política construída coletivamente. “Acho que temos uma longa caminhada de incidência. É esse trabalho que permite realizar ações estratégicas e pensar processos de articulação. Em alguns lugares, especialmente onde há forte presença indígena, isso acontece de forma mais intensa; em outros, ocorre de maneira menor, mas ainda assim acontece”, afirma.

Diretora-executiva do Podáali, Valéria Paye. Foto: Ariene Susui/Podáali
Segundo ela, os resultados vistos na conferência não podem ser entendidos apenas como entregas pontuais do Podáali, mas como parte de uma construção de longo prazo:
“Os resultados que vemos não estão apenas ligados ao que entregamos aqui na COP. Nós não ‘entregamos’ sozinhos; nós conquistamos compromissos. E acredito que conseguimos muitos nesta COP, que complementam conquistas alcançadas anteriormente. Um exemplo é a menção aos povos em isolamento voluntário e aos afrodescendentes no documento final das negociações, algo que representa um processo de construção de muitos anos”.
Para o conselheiro fiscal do Podáali, Mário Nicácio, a COP30 reforçou o papel estratégico da liderança indígena no enfrentamento da crise climática global. “Em linhas gerais, as perspectivas estão voltadas à liderança dos povos indígenas no enfrentamento das emergências climáticas, às proposições das soluções e ao chamado para que os países respeitem os compromissos já assumidos, respeitem os mecanismos indígenas de gestão assim como suas formas de organização social e econômica”.
Guardiãs da Amazônia: protagonismo feminino em foco
Um dos momentos mais marcantes da participação do Podáali na COP30 foi o lançamento da 3ª Chamada “Guardiãs da Amazônia: Mulheres que defendem as vidas e a justiça climática”, realizado no dia 14 de novembro, na tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), durante a Cúpula dos Povos, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Lançamento da 3ª Chamada Guardiãs da Amazônia durante a COP30. Foto: Karina Pinheiro/Podáali
Com cantos das mulheres Guajajara e o eco coletivo da frase “A Resposta Somos Nós”, o edital, exclusivo para mulheres indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira, celebrou um marco histórico no fortalecimento das lideranças femininas. A iniciativa, realizada em parceria com a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), reafirma a centralidade das mulheres na defesa dos territórios, na proteção da floresta e na construção de soluções climáticas justas.
O lançamento reuniu mais de 150 lideranças indígenas, entre mulheres, homens, jovens e anciões, em um espaço marcado pela espiritualidade, pelo afeto e pelo compromisso político. A chamada foi celebrada como exemplo concreto de que o financiamento direto aos territórios não é apenas possível, mas essencial para fortalecer ações que já transformam vidas e realidades.
O evento foi encerrado com alegria e reafirmação cultural ao som da música “Farinhada”, cantada pela pequena Yará Sateré-Mawé, em um dos momentos mais simbólicos do encontro. Para as mulheres presentes, o edital representa não apenas oportunidade, mas continuidade. Como afirmou Marinete do povo Tukano, liderança amazônida, “o que é construído coletivamente dura muito mais”. É com essa força coletiva que as guardiãs da Amazônia seguem impulsionando a defesa das vidas e da justiça climática.
Ciência e Cinema: Lançamento do Filme “Ciências Indígenas”

Exibição do filme ‘Ciências Indígenas’ na sala de cinema na casa Maraka. Foto: Karina Pinheiro/Podáali
Outra agenda marcante do Podáali na COP30 foi o lançamento do filme “Ciências Indígenas”, exibido na Casa Maraká em uma noite de grande emoção. O documentário celebra a ciência, a força e as soluções construídas pelos povos indígenas da Amazônia, revelando como conhecimentos milenares e práticas ancestrais orientam estratégias concretas de proteção da vida. A exibição contou com a presença de lideranças, parceiros, da diretoria do Fundo, da co-presidenta do Caucus Indígena, Sineia do Vale, e do representante da COIAB, Edinho Macuxi.
Produzido em parceria com a Rede COIAB e com povos de toda a Amazônia Legal, o filme percorre iniciativas conduzidas por guardiãs e guardiões dos territórios nos nove estados da região. As narrativas revelam práticas de manejo, vigilância comunitária, medicina tradicional e rituais que expressam um conjunto de saberes sofisticados e amplamente reconhecidos por pesquisadores e organizações socioambientais. A obra destaca que esses conhecimentos são fundamentais para enfrentar a crise climática global.
Incidência nas negociações climáticas internacionais
A presença do Podáali na Zona Azul da COP30 reafirmou a posição da organização como ator central na defesa do financiamento direto e da governança indígena nos mecanismos globais de ação climática. Em um espaço dominado por governos e organismos multilaterais, a diretoria executiva do Podáali levou às mesas de alto nível a perspectiva dos territórios, reforçando que a eficácia das políticas climáticas depende do reconhecimento dos sistemas de gestão indígena e do acesso direto a recursos por quem protege a floresta diariamente. O fundo contribuiu com análises técnicas, experiências concretas e recomendações estratégicas alinhadas à ciência indígena e à autonomia comunitária.
Nos diálogos promovidos no Pavilhão Brasil, Pavilhão dos Povos indígenas, no Planetary Science Pavilion, no Pavilhão das Florestas e nos espaços do GCF, Tenure Facility e Forest Tenure Funders Group, a diretoria reforçou que a Amazônia precisa ser tratada como território vivo, com povos, culturas e formas próprias de manejo. A organização apresentou resultados de mecanismos às iniciativas dos povos, comunidades e organizações indígenas, apoiados pelo Fundo, demonstrando que soluções construídas nos territórios são eficazes, escaláveis e diretamente conectadas ao enfrentamento às mudanças climáticas. A defesa de condicionalidades climáticas que respeitem a autodeterminação dos povos ganhou destaque e ecoou entre parceiros internacionais.
Pós-COP30: lições, limitações e prioridades para o próximo ciclo climático
A conferência também serviu para fortalecer alianças pan-indígenas e aproximar o fundo de iniciativas internacionais de financiamento comunitário. A estimativa é que o período pós-COP30 será dedicado ao aprofundamento dessas parcerias e ao desenho de novos mecanismos que permitam ampliar o alcance do fundo em territórios indígenas da Amazônia brasileira.
No balanço institucional, o Podáali destaca que, apesar do avanço na participação indígena no processo climático internacional, os compromissos firmados pelos países desenvolvidos seguem insuficientes diante da escala da crise ambiental. Valéria Paye reforça que o próximo ciclo climático exigirá ainda mais esforço articulado:
“Tudo isso está diretamente relacionado à nossa incidência e participação. E o desafio que vocês trazem sobre a língua permanece. Esse realmente é um dos desafios”.
Para ela, a etapa pós-COP deve focar em fortalecer mecanismos próprios de governança indígena, ampliar a presença qualificada das organizações comunitárias nos espaços de tomada de decisão e intensificar a pressão global por financiamentos acessíveis e justos.
O conselheiro fiscal do Podáali, Mário Nicácio, compartilha a mesma avaliação ao apontar a distância entre a ampliação das vozes indígenas e a efetividade das decisões tomadas. “Apesar de ter um número grande de participação indígena e social, ainda não há muito o que comemorar, devido à omissão dos países ricos em de fato preservar o meio ambiente e enfrentar as emergências do clima. Para os povos indígenas, fica o conhecimento do que é a COP30, mas está claro que a luta não pode parar. A Amazônia é importante, assim como as pessoas”, afirma.
A projeção para o período pós-COP é priorizar a consolidação de parcerias estratégicas, a expansão dos instrumentos de financiamento direto e o reconhecimento formal dos modelos de gestão indígena como componentes essenciais das políticas climáticas globais.



