Mulheres indígenas de todo o país e do exterior se mobilizaram para lutar pelos seus direitos na III Marcha das Mulheres Indígenas, durante os dias 11, 12 e 13 de setembro, em Brasília. Com o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade através das raízes ancestrais”, o encontro promoveu debates sobre temas urgentes como a proteção dos territórios e  violência de gênero.

 

A mobilização reuniu mais de 6 mil mulheres indígenas no Complexo Cultural Funarte e comprova que o caminho entre os direitos das mulheres e as lutas pela igualdade das minorias, em geral, sempre estiveram entrelaçados. O Podáali como fruto do Movimento Indígena Amazônico, criado num amplo processo de discussão e construção para ser o mecanismo técnico indígena que some e fortaleça a luta dos povos, organizações e comunidades apoiou iniciativas para que mulheres indígenas do bioma Amazônia, dos Estados do Amazonas e Mato Grosso pudessem participar da marcha. 

O projeto“Seguindo o caminho das águas ancestrais para o fortalecimento das Mulheres Mura de diferentes contextos”, uma das iniciativas aprovadas na Chamada Amazônia Indígena Resiste, além de viabilizar a participação das mulheres Mura na III Marcha, também possibilitou  um encontro da rede de Mulheres Mura, que vivem em Territórios Mura e cidades localizadas no Amazonas e em Rondônia.

O encontro entre elas proporcionou mecanismos para contribuir com o fortalecimento institucional, visto que as trocas compartilhadas na jornada foram importantes para resgatar a autoestima e reafirmar as origens ancestrais das Mura. Antes de chegar na marcha, em Brasília, elas partiram do Amazonas para Rondônia, onde tiveram momentos de cantos, rezos e muito diálogo.

A iniciativa  também proporcionou a troca de saberes e fez com que elas pudessem elaborar propostas e planos de ações para seguir na luta contra o racismo e a invasão dos territórios.

Mulheres Mura do bioma Amazônia marcam presença na III Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília.

 

“Foi muito importante a aprovação desse projeto pelo Podáali, porque possibilitou o primeiro encontro das Mura do Amazonas com as Mura de Rondônia. Isto politicamente é de extrema importância para nós, principalmente, as de Rondônia, que enfrentam dificuldades para serem reconhecidas. Pois, lá não existe Terra Indígena Mura demarcada, nós estamos em contexto ribeirinho. Mas, o Rio Madeira é território ancestral Mura, e esse encontro foi importante para nos fortalecer e legitimar isso.” , observou Márcia Nunes Maciel Mura, professora que coordena o Coletivo Mura e também atua na Articulação de Mulheres Mura em Diferentes Contextos.



                           Mulheres Mura lutam contra o racismo e pela preservação de seus territórios

Os Mura ocupam vastas áreas no complexo hídrico dos Rios Madeira, Amazonas e Purus. Vivem tanto em Terras Indígenas, quanto nos centros urbanos como Manaus, Autazes e Borba. 

Desde o século XVII são descritos como um povo navegante, de ampla mobilidade territorial e exímio conhecimento dos caminhos por entre igarapés, furos, ilhas e lagos. Em seu longo histórico de contato sofreram diversos estigmas, massacres e perdas demográficas, linguísticas e culturais.

As Mura compartilharam experiências e se fortaleceram para enfrentar os desafios que enfrentam no dia a dia.

Atualmente enfrentam a invasão dos territórios, principalmente, os localizados em Autazes que vão em choque aos interesses da empresa Potássio do Brasil. No último dia 3, a Justiça do Amazonas suspendeu a licença para exploração do mineral concedida à empresa pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas.

A decisão judicial destaca que a atividade não pode ser realizada sem autorização do Congresso Nacional e posterior consulta aos povos indígenas afetados. Além disso, concluído esse procedimento, cabe ao Ibama emitir o licenciamento ambiental e não ao Ipaam, por envolver impactos em território indígena. 

Durante a jornada, as mulheres denunciaram que foram vítimas de racismo no distrito de Nazaré. No último dia 5, as mulheres foram à Escola Estadual Francisco Desmorest Passos para realizar uma atividade pedagógica em alusão ao Dia da Mulher Indígena e ao Dia da Amazônia. A intenção era interagir com os estudantes, visto que, a escola se encontra numa área que é considerada território ancestral Mura, contudo foram hostilizadas por parte da direção da escola e não puderam fazer a atividade que tinha sido proposta.

Antes da proibição, as Mura entraram em contato com a direção da escola e apresentaram a proposta que foi acatada, mas no dia os alunos não tiveram permissão de interagir com elas. 

O grupo de mulheres denunciou o caso ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Rondônia e chegou a  registrar boletim de ocorrência. 

“A intenção era fazer uma apresentação de canto para os alunos e conversar com eles sobre essas importantes datas, como o Dia Da Amazônia e Dia Internacional das Mulheres Indígenas a diretora havia concordado quando propusemos a atividade, mas no outro dia fomos avisados que não seria possível pois os professores não poderiam nos receber, pois estavam preparando as atividades com os alunos para o dia 7 de Setembro.” , relatou a coordenadora do projeto Márcia Nunes Maciel, indígena Mura de Rondônia, que afirma que no lugar em que está construída a escola Estadual Francisco Desmorest Passos antes era um roçado de seus avós.

 

Desfile realizado com estilistas indígenas foi um dos pontos altos das atividades da III Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília

                                                                              Descolonizando a moda

O Projeto  Ringo Derequino Costurando História no Ateliê da Vida’ proposta da LLOGI RINONAI Rede de Mulheres Indígenas também foi apoiado pela Chamada Amazônia Indígena Resiste. A iniciativa é de estilistas indígenas do Parque das Tribos, comunidade localizada em Manaus, que se reinventaram para enfrentar a pandemia, promover suas culturas e ancestralidade e sobreviver na cidade, criando o Ateliê Derequine.

Como parte da programação da III Marcha foi realizado o Desfile Ancestral -Descolonizando a Moda’, que reuniu um público de mais de duzentas pessoas que foram conferir  as produções dos estilistas e designers indígenas. Foi uma pequena mostra do potencial da moda indígena, visto que estes talentos vêm desenvolvendo coleções que têm como proposta o ritmo de slow fashion, no qual não há intenções de seguir o calendário acelerado das tendências.

Estas estilistas apresentam uma diversidade do que significa criar moda indígena no Brasil, dialogando com as suas próprias culturas e refletindo também sobre o que a colonização provocou nos seus modos de pensar o vestir.

No desfile, o Ateliê Derequine apresentou a coleção ‘O Baile da Fruta’, composta por cinco looks da  coleção que faz parte do projeto apoiado.

“Neste trabalho buscamos a eliminação da descriminação contra as mulheres indígenas que vivem nas cidades, inserindo em uma economia sustentável e circular na comunidade, gerando renda para as nossas famílias e assim criando condições para que nós mulheres possamos cuidar de nossos filhos de forma digna. Aqui prezamos pela convivência coletiva, trocamos nossas experiências e memórias. Cada traço é uma memória de reafirmação de quem somos porque a nossa moda é sobretudo uma moda política e originária, porque comunica que nós estamos vivas nas cidades, nas florestas, nas universidades, no parlamento, nos ministérios e nas passarelas do mundo e onde mais quisermos ir.”, afirmou  Sandy Ortega do Povo Witoto na apresentação do desfile.

O projeto está sendo desenvolvido em parceria com a Associação dos Witotas do Alto Solimões (AWAS), que tem sede na cidade de Amaturá, dentro da linha temática economia sustentável e soberania alimentar e foi desenvolvido para apoiar as mulheres na geração de renda por meio das peças produzidas pelo Ateliê Derequine, criado na época da pandemia em Manaus para produzir máscaras usadas pela comunidade do Parque das Tribos, na proteção contra o Coronavírus. 

Ainda na seara da moda, as indígenas do Projeto Kyawagâ, que significa no nosso corpo, na nossa pele, na língua do povo Kurâ Bacairi também participaram do Desfile Ancestral com mais de dez looks na passarela.  O projeto integra a iniciativa ‘ Kywagâ – Construção da casa de artesanato, arte e moda das mulheres Kurâ-Bakairi’, selecionado na nossa chamada 001. A proposta foi apresentada pelo Instituto Yukamaniru de Apoio às Mulheres Bakairi e vai beneficiar diretamente 20 mulheres e suas famílias e indiretamente 300 pessoas das comunidades Aki Ety, Paikum, Aturua, Pakuera e Kuiakware. 

Uma das criações do Projeto Kyawagâ na passarela do Desfile Ancestral, da III Marcha das Mulheres Indígenas.

“Em 2021 começamos a trabalhar as pinturas corporais em tecidos e durante a pandemia tivemos a alegria de termos o projeto contemplado pela Lei Aldir Blanc, de incentivo à cultura. Foi então que nós mulheres Bakairi ressurgimos das cinzas pós Covid por meio do trabalho com a nossa arte. Agora com o apoio do Podáali estamos ainda mais fortalecidas, pois vamos construir a sede para essa semente que já está rendendo bons frutos para o nosso povo”, comemora a coordenadora do projeto Darlene Yaminalo Taukane, do povo Bakari, de Mato Grosso. 



 

                                        A  importância da descolonização do financiamento para os povos indígenas 

Podáali é sinônimo de celebração, reciprocidade e promoção da sustentabilidade. O objetivo do Fundo é fortalecer a autodeterminação, protagonismo, culturas, modos de vida dos povos indígenas e promover a gestão autônoma e sustentável dos territórios, de seus recursos naturais como estratégia para manter a vida e bem viver dos parentes e de toda a humanidade.

“Somos o mecanismo indígena criado através da COIAB como estratégia dos nossos povos para promover a autonomia, mantendo nossas culturas, modos de vida e promovendo o reconhecimento e formas próprias de organização social de cada povos. Para tanto, estamos incidindo sobre os financiamentos e construindo trabalhos em rede que somem a essa incidência com vistas a descolonizar processos  como caminho que de fato possibilite apoio direto às iniciativas indígenas –  tão promissoras e necessárias para a vida das pessoas e do meio ambiente. 

Chamamos os apoiadores a construir juntos com nós processos que considerem a realidade indígena e que tenham como maior premissa a confiança no trabalho tão necessário ao mundo desenvolvido pelos povos indígenas”, explica a vice-diretora do Podáali Rose Apurinã.

 

                                                                               Chamada Amazônia Indígena Resiste

Em 2022, com o avanço da vacinação e período em que o comportamento social atingiu o patamar mais próximo da realidade, após dois anos de pandemia de Covid-19 que resultaram em milhares de mortes e perdas irreparáveis, o Podáali lançou em dezembro a primeira chamada, cujo nome ‘Amazônia Indígena Resiste’, simboliza a luta dos povos indígenas que resistiram aos cenários mais terríveis durante a crise pandêmica.

Em Abril deste ano, na Tenda da Coiab, no Acampamento Terra Livre, foram anunciados os 32 projetos selecionados pela chamada, que ao todo teve 305 propostas inscritas, destas 297 iniciativas foram classificadas, contudo 32 projetos foram selecionados para receber o aporte de R$ 20.000,00 até R$ 50.000,00.

Puderam participar do processo de seleção povos, organizações e comunidades indígenas dos 9 Estados da Amazônia brasileira (organizações indígenas como: associações, grupos de jovens, grupos de mulheres, grupos de agentes ambientais, comunicadores, dentre outros).

Esta chamada selecionou os projetos nestas três linhas temáticas:1) Gestão e proteção territorial e ambiental indígena; 2) Economia sustentável e soberania alimentar e 3) Fortalecimento institucional e promoção de direitos.


Crédito Fotos: Priscila Ramos e arquivo pessoal

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