Por: Karina Pinheiro

Iniciativas como o Fundo Podáali, o FIRN, o Fundo Timbira e o Fundo Indígena RÛTI do Conselho Indígena de Roraima mostram que povos indígenas estão criando seus próprios mecanismos de financiamento direto, com governança autônoma e impacto nos territórios.

Durante a programação do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, em Brasília, no âmbito da tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),  lideranças representantes de Fundos Indígenas apresentaram os avanços e os desafios na construção de modelos próprios com gestão indígena.

O debate foi feito na manhã desta quarta-feira (09), durante a roda de conversa “Financiamento e solução dos povos indígenas da Amazônia – colhendo frutos”, e contou com a participação da co-presidência do Caucus Indígena, Sineia Wapichana; Podáali- Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, Fundo Indígena do Rio Negro – FIRN (AM), o Fundo Timbira (MA e TO) e o Fundo Indígena RÛTI (RR). 

A diretora-executiva do Fundo Podáali, Valéria Paye, destacou que esses fundos são mecanismos estratégicos criados por e para os povos indígenas, com o objetivo de viabilizar recursos diretos, respeitando as formas próprias de organização dos povos. “Essas estruturas não substituem a luta política, mas se somam a ela. É a chance de transformar o discurso de apoio direto aos povos indígenas em ação concreta”, afirmou.

O FIRN, criado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), foi estruturado com objetivo de viabilizar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) elaborados pelas comunidades indígenas do Alto Rio Negro. Alexandre Baré, diretor do fundo, explicou que a iniciativa já beneficiou mais de 20 mil pessoas em 300 comunidades, com apoio a 40 projetos em diversas áreas. “O FIRN é mais do que um fundo – ele representa o fortalecimento da nossa autonomia, dos nossos territórios e do nosso bem viver”, disse.

Já o Fundo Timbira foi construído a partir da luta dos povos Apinajé, Krahô, Krikati, Gavião, por uma compensação de longo prazo pelos impactos da Usina Hidrelétrica de Estreito. Jonas Gavião, uma das lideranças à frente do fundo, contou que o mecanismo está atuando no apoio a projetos voltados à segurança alimentar, cultura e proteção territorial.

Outro exemplo destacado foi o Fundo Indígena RUTÎ, vinculado ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), a organização indígena mais antiga do Brasil. Josimara Baré, do povo Baré e coordenadora do fundo, explicou que a iniciativa nasceu em setembro de 2024 para fortalecer os territórios indígenas do estado. “O fundo nasce da necessidade urgente de apoiar quem vive e protege os territórios diariamente. Depois de seis meses, já lançamos nosso primeiro edital, com recursos destinados a 25 projetos em 11 regiões do estado, com apoio que vai de R$ 25 mil para grupos familiares até R$ 150 mil para ações regionais”, destacou.

Josimara também ressaltou os diferenciais do fundo RÛTI: “Apoiamos diretamente famílias indígenas — algo que poucos fundos fazem no Brasil. Sabemos que são essas pessoas, lá na base, que estão enfrentando os impactos ambientais e defendendo nossos modos de vida. É para elas que esse fundo existe.”

A vice-diretora do Fundo Podáali, Rose Apurinã, reforçou que a construção de fundos próprios é também uma forma de garantir a aplicação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que reconhecem a organização social, os costumes, as línguas e os direitos originários dos povos indígenas. “Nosso grande encontro aqui no ATL não é só para falar de repasse de recursos. É sobre fortalecer nossa autonomia e construir caminhos de futuro baseados nas nossas formas de vida”, afirmou.

As lideranças também destacaram a urgência de garantir mecanismos de financiamento para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. “A Amazônia vive uma catástrofe ambiental. Precisamos de indicadores específicos que reconheçam essa realidade e garantam que os recursos climáticos realmente cheguem às nossas comunidades”, alertou Sineia do Vale, do povo Wapichana e a co-presidência do Caucus Indígena.

A participação dos fundos indígenas e da Co-presidência do Caucus Indígena no ATL 2025 evidencia um novo modelo de financiamento direto, transparente e eficaz, construído pelos próprios povos indígenas. As experiências mostram que, mesmo diante de desafios estruturais, esses povos seguem construindo soluções de futuro com base na autonomia, na solidariedade e na ancestralidade.

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